quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Saudade(s)

Foto: Juliana Charnaud


O que seriam dos poetas?
Sem suas fontes límpidas de inspiração
Sem aquela dor de cotovelo emprestada
Que cai como uma luva
Sob a forma de chapéu
Na cabeça de outrem
O que seria do mundo?
Se ninguém sentisse saudade
Milhares de despedidas em vão
Nos fins de tarde
Fim das lágrimas que regavam a esperança
Do regresso incerto na estação do trem
Que há tempos
Já não leva e traz mais ninguém
O que seria de mim?
Se não fosse você
Na verdade, eu nem sei.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Veio a chuva

Foto: Vadim Truniov


Veio a chuva
Vestida de prata
Assim como as lágrimas
Que aliviam certas dores
Desceu primeiro em pancadas
Falando alto com seus trovões
Alagando as ruas
Represando amores
Que não souberam ousar
Nos lados opostos da avenida
Pois um banho de chuva
Nada mais é
Do que um bom banho de vida
Depois veio a calmaria consistente
O alivio eminente que ela trouxe
É algo inexplicável.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Fim...

Foto: Alexandre Neutzling

Infinito olhar na direção do céu
Fim da tarde 
Fim de tudo...
Nenhuma alma a vagar
Nenhum sorriso pra se despedir de mim.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

(In)conveniências

Arte: Fabriano Rocha

Quanto do quando nos convém?
Nosso caso de acasos até vai bem
Mas um vazio preenche o meu peito
Sempre que o adeus se torna inevitável
E já não há motivos óbvios para tal
Apenas um amor tangente
E uma dor latente
Que há tempos não contenta
Mais ninguém.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Bem maior

Foto: Daniel Giannechini

Tu eras simplesmente
Um espaço com paredes frias
Com formas que te definiam
Como um lugar de fé e oração
Aos poucos tu ganhaste vida
Uma hera multicolorida
Passou a te envolver
Mostrando tua diversidade
A cada nova estação
Foste rebatizada
Viraste cartão postal da cidade
E reafirmou em mim uma certeza
Que toda essa tua beleza
É bem maior que tua devoção. 

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Rascunho(s)



Aquele teu bloquinho de anotações
Está recheado
Com os meus rascunhos
Ele traz uma retrospectiva sentimental
Uma espécie de enciclopédia
Dos meus sentimentos mais diversos
Que foi sendo construída
Verso a verso
Suspiro após suspiro
Depois que a conheci
Naquele inverno cheio de calor
Em minha vida
Ele fala do amor
Como se não doesse
Ele trata da despedida
Como se não houvessem
Outras saídas possíveis
Ele é até um pouco exagerado
Eu sei
Mas é digno da minha poesia
E isso talvez me baste.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Agora

Foto: Alexandre Neutzling

O agora quer que volte
O ontem antes que outrem
Não suporte tamanha solidão
O agora é poesia
É presente que não se ganha
É realidade que há pouco não existia
Fruto da concepção
E da produção baseada em baseados reais
Talvez não tenhamos mais
Noites impares como desafeto
Nem tetos de estrelas
Em noites de lua cheia
Perdemos o medo da chuva
Mas padecemos na covardia
De viver acuados entre paredes
Que nem ao menos respiram
Mas que pouco a pouco despertam
Em alguns poucos
O desejo por uma liberdade
Que ainda não pode ser compreendida
Pela sociedade da hipocrisia
Composta por indivíduos individuais
Seres ditos humanos
Que vivem de planos futuros
E não passam de reles mortais.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Carcará

Foto: Alberto Blank


Arrasta o teu olhar que me fala
E cala a tua fértil imaginação
Chega de tantos cálculos
Antes de se jogar
De temer os obstáculos
Que se interpõem entre nós dois
Eu daqui
Ave de rapina
Sobrevoando o teu caminho
Encruzilhando tuas esquinas
Tu de lá
Presa fácil
Como num sonho
Lado b da poesia que me toma
Sensibilidade da palavra extremada
Em todos os sentidos que me fazem bem.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

[Re]voltas

Foto: Camila Hein


Ao deixar o cume
Em queda livre
Com o corpo sangrando
De olhos e braços bem abertos
O mundo continuou girando
Sem se importar
Com o provável desfecho
Talvez tudo tenha mesmo o seu preço
Começo, meio e fim
Sim, ele é inevitável
Tudo o que é bom
Um dia acaba
Tudo o que é ruim
Uma hora passa
Do alto desaba
E [re]começa outra vez.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Aceita

Arte: Jairo Tx

Encosta o teu corpo no meu
E ouça um pouco desse silêncio
As luzes vacilam
O céu relampeja
Talvez seja algum sinal
Deixa eu te soprar
Palavras macias em brisa
E assim
Provocar uma tempestade dentro de ti
Em suaves tons de cinza
E se acaso
Sentir a tua alma de musa arrepiar
Não perca tempo em procurar
Moinhos de vento e palavras perfeitas
Simplesmente aceita
E vem deitar comigo.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Manuscritos

Manuscrito de 1911 de Carlos Drummond de Andrade.

Aqueles velhos manuscritos
Perdidos no fundo de algum lugar
Confessavam o meu amor pela vida
E por alguém que eu ainda haveria de encontrar
Também falavam de dor e de felicidade
E da incompatibilidade entre o amor e a razão
Diziam que meu coração talvez não resistisse
Tamanha caretice
Das pessoas que me cercavam
E eu ainda julgava como corretas
Dentro desse modelo de sociedade alçapão
Fiquei sensibilizado e mudo
Contudo aquela redescoberta me fez bem
Afinal
Era minha aquela vontade escrita
Nas folhas amareladas pelo tempo urgente
Ainda perdidas
No fundo de algum lugar comum.