quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

abismos

Foto: Raul Garré

Não precisa fingir que me entende
Apenas me empresta
O teu ombro
Em silêncio
Não precisa inventar o que sentes
Nem queira saber
O que penso
Não espere para sonhar
Nem reclame por ter que viver
Antes de se jogar do oitavo andar
Só porque o elevador enguiçou
Encontre motivos
Para transpor esses teus abismos
E grite bem alto
O que ainda não ecoou
Não precisa dizer quase nada
Eu só acredito
É no teu amor.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

o fim do fundo do poço



Esse poço
Não pertence mais aquele moço triste
Esse poço não existe
Nem mesmo
Depois do almoço
Quando bate a sede

Esse fundo
Não é mais daquele mundo prometido
Isso é esgoto puro
Decadência anunciada
Pior do que nada
E ainda, fede.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Solidão

Jards Macalé (1972) 

Não
Não me deixe aqui sentado
No fundo desse quarto
Enquanto os lobos continuam cercando
As suas presas fáceis
E um pedaço do mundo
Desaba sobre nós

Eu queria ter ouvido
Aquele disco do Jards
Quando a vida parecia não passar tão depressa
E as faixas eram ilhas
Perdidas num mar viril e vinil

Mas o tempo foi urgente
E o passado
Cada vez mais distante
Agora é caso fora de questão

Não
Não me deixe assim
Angustiado
Solidão.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Soul

Foto: Daniel Giannechini


Sou o espelho
Mirando as curvas do teu corpo
Sou um pouco
Suspeito pra falar assim
Sou o vento
Que embaralha a cor dos teus cabelos
Sou o espelho
E não paro de te olhar em mim
Sou um pouco
De um louco alucinado por perigo
Sou o abrigo
Quando te envolvo com o meu calor
Sou um porto
Que te espera sedenta e tempestiva
Sou uma ogiva (nuclear)
Prestes a explodir de amor.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Foto: Alexandre Neutzling

Nasci
Com o dom de ser intenso
E de falar tudo o que penso
Sem pensar
Cresci
Sem me preocupar com os outros
Pois um pouco desse todo
Eu quis te dar
Morri
Como parte de um desejo
E ao me encontrar no teu silêncio
Também resolvi calar.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Um livro

Foto: Volmar Camargo Junior 

É tão bom estar em tuas mãos
Quando tu me pegas assim desse jeito
Mesmo que eu não disponha de tua total atenção
Eu me contento
É tão fácil aceitar
Quando tu viras a página
Sedenta por mais poesia
Eu jamais entenderia
Se tu viesses a esperar
Algum tipo de final perfeito.

Psico comportamental

Foto: Deny Barboza

O coração deu sinal
As pupilas dilataram
E algumas vagas lembranças
Voltaram
Como num sonho experimental
Distante da paixão que cega
E entrega os pontos
Antes do fim inevitável
O coração voltou a bater
E é bem provável
Que seja apenas um alarme falso
Mais um passo
No fundo do raso
Um acaso psico comportamental.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Humanum est

Arte: Jairo Tx

Era um bom humano!
Disseram quando partiu.
E isso é alguma vantagem?
Alguém interferiu.
Cuidava bem dos empregados!
Um balbuciou.
Mas isso é liberdade?
...
E ninguém entendeu!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

ver SOS

Foto: Raul Garré

Distante da costa
Existe um lugar
Onde o mar faz a terra redonda
E o horizonte
Não se cansa de esperar
Garrafas rompem a arrebentação
Levando e trazendo versos no seu interior
Fugindo da vida agitada
Da grande cidade de alma pequena
Alimentando o poeta naufrago
Ilhado há pouco num poema

Ele que abriu mão dos todos os seus sonhos
Ainda ontem
Para viver dia após dia
Torcendo que não lhe encontrem.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

O baile desmascarado



Vago à deriva
Pela tua superfície vã
Adentro tuas entranhas umedecidas
E meu desejo enrijecido
Descobre o que há de oculto
Sob a máscara que vestes ao me negar
Talvez a culpa não seja tua
Eu sei
Mas ao aceitar as rédeas da sociedade
Perdeste a naturalidade
E vendeste tua alma
A um Deus fabricado e vendido
Nas igrejas e nos camelôs.   

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Fora do tom

Arte: Jairo Tx

Toda essa tua beleza
Fez com que eu fosse além
De uma simples definição
Todo consenso
Mora ao lado do senso comum
E eu não quis ser só mais um
A desferir os mesmos adjetivos desbotados
Na tua direção

Talvez com um pouco mais de tempo e coragem
Eu entenda a tua vontade de partir
E tu percebas que o meu único dom
Foi existir
Pra seguir os teus passos bem de perto
E te escrever em versos
Como quem canta
Fora do tom.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Pós

Foto: Camila Hein


Até que amanheceu
Algumas cinzas continuam
Um pouco pior do que eu
Perambulando pela casa vazia
Desintegrando-se na atmosfera pesada
Sumindo pelas frestas do piso
Empurradas pelo vento
Que também
Ora vai e vem
Até que nem doeu
Mas eu já sabia
Que dessa vez não seria diferente
Pois aquele medo bom
Que por vezes
Transborda o coração da gente
É o primeiro que se vai
Enquanto algumas verdades indigestas
Fazem questão
De ocupar noventa e nove por cento
Do que ainda resta
Pois o fim da festa
Chegou.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

pêndulo



nasce a segunda
vestida de luto
com o peso de quem não a quer
nasce na feira
num absoluto
ardor de mulher
desperta aos poucos
desmancha-se em pranto
por tanta, tanta luta
enfrenta seus lobos
chora pelos cantos
não perde a conduta
nasce a segunda
e morre na terça
pra voltar quem sabe
semana que vem

Oportunismos à parte

Foto: Daniel Giannechini


Bem que eu poderia
Falar de alguma tragédia
E me aproveitar de uma comoção nacional
Para me promover

Bem que eu poderia
Escrever sobre auto-ajuda
E ajudar a quem não se ajuda
Para faturar ao me vender

Bem que eu poderia
Falar de política
E meter o pau em Brasília
Mas isso todos estão cansados de fazer

Bem que eu poderia
Escrever sobre um time de futebol
Que não ganha uma
Mas que enche o seu estádio pra perder

Bem que eu poderia
Mas não vou
Vou insistir em escrever sobre o amor
Até morrer.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O tempo de cada um

Foto: Raul Garré

Soam as sirenes das fábricas
Muitos estão a postos
E olham o relógio
Sem pensar
Atrás das regras de convivência e de conduta
Uma vontade filha da puta
De ir embora
De que chegue logo a hora
De que chegue a bendita sexta-feira
Que coisa!
Talvez eles não percebam
Que junto das horas que se vão em correnteza
Vai a vida se esvaindo em tanta espera
Mascarada por planos e sonhos
Que jamais irão se realizar
E alguns ainda reclamam
No alto da sua inconsciência
Que a vida passa muito depressa
Também pudera
Vivemos a era da hipocrisia.