quinta-feira, 31 de outubro de 2013

silêncio no golfo



eu sei de sonhos
que não morrem
encontro gente
que não vive
são raros os povos
que não sofrem
morteiros sobre
tel aviv.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

procura-se


procura-se
grandeza nos pequenos gestos
profundezas num pequeno lago
pequenezas naqueles mesmos versos
dos poetas que foram
considerados mortos

antes de ficarem cegos
de tanto se olhar no espelho.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Premonição

Foto: Raul Garré

Quando eu tinha sete anos
Uma carreira verdadeiramente promissora me esperava.

Mas o destino tem seus mistérios...
Seus desígnios insondáveis.

Uma bola 'Dente de leite' envelhecida, ressecada,
Um chute quase perfeito na trave esquerda,
No cantinho esquerdo, indefensável,
Mas que fez uma curva aberta, fugindo do goleiro,
Uma curva que fez a bola pegar no poste,
Que era, por sinal, o pé da prateleira
O poste esquerdo da prateleira da sala de casa.
Minha área improvisada nos dias de chuva.
A prateleira que era o xodó da mãe,
E que tinha taças e baixelas,
E que tinha pratos e copos de todos os tipos,
E alguma importância.

Foi um chute seco, desferido a la Rivelino,
No canto esquerdo. Bem no pé da trave. Perfeito.
Cheguei a comemorar por antecipação.
Mas a prateleira não achou o mesmo.
Cismou de renguear, de se agachar de lado.
Em câmera len-ta. Em câmera mui-to len-ta.
E, em câmera mais len-ta a-in-da, foi caindo,
Assim meio de lado, meio de frente.
Veio abaixo. Es-pa-lha-fa-to-sa-men-te.

Não preciso dizer que uma terceira guerra mundial,
Um novo meteoro extinguindo os dinossauros,
Uma bomba de hidrogènio caindo na calçada em frente,
Não teria o efeito perigoso e negativo daquele impacto,
Muito menos o ruído. O estrondo. O estardalhaço.

Quando a mãe voou pela porta dos fundos, branca, aturdida,
Por entre os cacos de vidro,
Decidida a salvar cada pedaço que resumia, até ali,
A história da sua vida.

Foi somente aí que eu pude descobrir,
Como em uma visagem premonitória,
Que ali, justamente ali, após aquele lance quase genial,
Justamente ali...
Havia acabado definitavemente
A minha promissora carreira
de jogador de futebol.


(Martim César / Daniel Moreira)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

a seca



quem planta amor
nunca está preparado
pra seca

só assim eu mato a minha sede

Foto: Raul Garré

eu queria escrever um poema
que tivesse a cara da América Latina
a simplicidade do povo uruguaio
e a beleza de um tango argentino

que fosse andino
e pudesse ver o pacífico
e que fosse específico
ao relatar Benedetti e Neruda
eu queria escrever um poema
que pudesse servir de ajuda
aos índios exterminados do Pampa
e que também pudesse dialogar
com os Incas de Machu Picchu
dentro do seu tempo

eu queria escrever um poema
sobre a linha do Equador
e derramar o meu amor
como propôs Quintana
ao dedicar a sua vida à poesia
“Um poema como um gole d’água bebido no escuro”

só assim eu mato a minha sede.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

rua do demérito


o que se sabe
além do que se conta
ao cruzar as mesmas esquinas
e ter que engolir
as mesmas histórias 
prontas?

ruas
becos
alamedas
praças
ta cheio de avenida por aí 
com nome de ditador militar

mas o que se pode por aqui
além de sonhar 
ainda é muito pouco.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

porta aberta

Foto: Carol Bramont
a porta aberta
rever a pessoa certa
é olhar pra dentro de si
e perceber que um pedaço do tempo
ainda não passou.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

prelúdio

Foto: Camila Hein
lembra
daquele beijo quente
que arranjaram pra gente
daquela noite em frente
a esquina
antes de chegar em casa
o tempo nunca fecha a porta
já era amor
mas ninguém pode imaginar

lembra
que não eram dez horas
e tinhas que ir embora
que a sensação lá fora
eram estrelas
rondando a nossa volta
e o medo era uma aventura
difícil de explicar
foi bom.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

quanto tempo?



quanto tempo
vale o tempo do teu lado?
quantos lados
tem a parede do quarto?
quantos quartos
perderam o sono atrás de um sonho?
quanto sonho
ainda nos resta pra sonhar?
assim
corpo nu
corpo.