sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Premonição

Foto: Raul Garré

Quando eu tinha sete anos
Uma carreira verdadeiramente promissora me esperava.

Mas o destino tem seus mistérios...
Seus desígnios insondáveis.

Uma bola 'Dente de leite' envelhecida, ressecada,
Um chute quase perfeito na trave esquerda,
No cantinho esquerdo, indefensável,
Mas que fez uma curva aberta, fugindo do goleiro,
Uma curva que fez a bola pegar no poste,
Que era, por sinal, o pé da prateleira
O poste esquerdo da prateleira da sala de casa.
Minha área improvisada nos dias de chuva.
A prateleira que era o xodó da mãe,
E que tinha taças e baixelas,
E que tinha pratos e copos de todos os tipos,
E alguma importância.

Foi um chute seco, desferido a la Rivelino,
No canto esquerdo. Bem no pé da trave. Perfeito.
Cheguei a comemorar por antecipação.
Mas a prateleira não achou o mesmo.
Cismou de renguear, de se agachar de lado.
Em câmera len-ta. Em câmera mui-to len-ta.
E, em câmera mais len-ta a-in-da, foi caindo,
Assim meio de lado, meio de frente.
Veio abaixo. Es-pa-lha-fa-to-sa-men-te.

Não preciso dizer que uma terceira guerra mundial,
Um novo meteoro extinguindo os dinossauros,
Uma bomba de hidrogènio caindo na calçada em frente,
Não teria o efeito perigoso e negativo daquele impacto,
Muito menos o ruído. O estrondo. O estardalhaço.

Quando a mãe voou pela porta dos fundos, branca, aturdida,
Por entre os cacos de vidro,
Decidida a salvar cada pedaço que resumia, até ali,
A história da sua vida.

Foi somente aí que eu pude descobrir,
Como em uma visagem premonitória,
Que ali, justamente ali, após aquele lance quase genial,
Justamente ali...
Havia acabado definitavemente
A minha promissora carreira
de jogador de futebol.


(Martim César / Daniel Moreira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário